ENTREVISTAS SOBRE DEPENDENTE QUÍMICO E O PROCESSO INTERVENTIVO DO TERAPEUTA OCUPACIONAL NO PROCESSO DE TRATAMENTO REALIZADA COM A PROFESSORA.- UFPR- LAUREN PINTO MACHADO E TERAPEUTA OCUPACIONAL ANA PAULA SCHEFFER- CAPS

LAUREN PINTO MACHADO, TERAPEUTA OCUPACIONAL E PROFESSORA DO DEPARTAMENTO DE TERAPIA OCUPACIONAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

ENTREVISTA REALIZADA EM 13/02/20120(  POSTAGEM AUTORIZADA)


Como é diagnosticado um paciente dependente químico?

O diagnóstico é feito pelo médico, onde o mesmo identifica a presença de uso compulsivo de substâncias e sintomas de abstinência da substância no período de 6 meses ou mais. Também se leva em consideração os comprometimentos progressivos que o usuário teve em suas áreas da vida (ocupações, relações sociais, mudanças comportamentais e outros).
O diagnóstico terapêutico ocupacional é realizado a partir do levantamento do histórico ocupacional e avaliação das ocupações no momento. É levado em consideração o envolvimento do sujeito em ocupações, sentido das mesmas e o que o sujeito realiza no seu cotidiano. Não raro usuários de drogas possuem um cotidiano empobrecido e estruturado em função do uso da substância em um ciclo baseado na aquisição e uso de drogas. Isso acarreta em um impacto direto no desenvolvimento de outras atividades que são desejadas e/ou esperadas a este sujeito em sua fase de desenvolvimento (autocuidado, estudo, trabalho e lazer). É importante também verificar a relação que o sujeito estabelece com a substância: O porque faz uso de drogas e qual a relação da droga no seu cotidiano.


Quais os critérios de avaliação? Existe protocolo específico?

A dependência química é uma doença multifatorial com elementos de ordem biológica, psicológica e social. Por isso é importante que o tratamento seja conduzido por uma equipe multidisciplinar, que conduzirá a avaliação da pessoa conforme seu objeto de estudo e linha teórica de sua profissão. Existem protocolos específicos para avaliação de dependentes químicos reconhecidos e validados no Brasil. A escala de Gravidade de Dependência é considerada o padrão ouro na avaliação de dependentes químicos, uma vez que fornece informações a respeito do padrão de uso e comprometimentos nas áreas da vida. Existem outros protocolos para avaliação de usuários de drogas, contudo é importante que o profissional esteja atento quanto a aplicabilidade destes, considerando a população assistida e se o mesmo é validado no Brasil.
Neste quesito é importante considerar que nenhum protocolo de avaliação substitui uma formação de vínculo terapeuta-paciente elaborado com propriedade, uma escuta qualificada, acolhimento e compreensão da esfera subjetiva do paciente. É importante considerar cada ser humano como único na sua história de vida. Nenhum usuário de drogas será igual a qualquer outro usuário.


 Nos atendimentos realizados quais os casos de dependência química são mais frequentes?

Depende do serviço: em unidades de saúde oferece-se tratamento para o tabagismo; em serviços especializados (CAPS AD, Unidades de tratamento) verifica-se frequentemente uso de álcool em primeiro lugar, seguido do uso de crack. O uso de cocaína também é frequente no Brasil, porém menos que as demais substâncias, e como uma característica em populações com maior poder aquisitivo e/ou com envolvimento na criminalidade para aquisição da substância. Há significativo uso de medicamentos psicotrópicos de uso inadequado, o que muitas vezes é negligenciado ou subnotificado pelo padrão de uso da substância.  No Brasil há poucos relatos de busca por tratamento pelo uso de drogas alucinógenas e/ou derivados da heroína. A maconha é a droga de maior uso entre os jovens no Brasil, contudo são raros casos de tratamento no uso isolado desta substância (geralmente associa-se uso de maconha ao álcool e ao crack quando em tratamento). O que tem se verificado nas últimas duas décadas é o padrão de uso cruzado, onde a pessoa faz uso abusivo de mais de uma substância. Comportamento este recorrente na juventude.


 Quais os procedimentos realizados para o processo de abstinência?

Cada droga possui um processo de abstinência biológico próprio conforme a natureza da ação desta substância no organismo. Logo, a abstinência biológica da substância será caracterizada pelos efeitos colaterais da ausência desta no organismo. Contudo, como a dependência química é uma doença multifatorial, considera-se também o processo psicológico da abstinência da substância porque o dependente químico também estabelece uma relação psíquica com o uso desta, visto a sensação de prazer que esta traz no momento de uso. Assim, para o processo de abstinência, considera-se a multifatorialidade destes elementos considerando o controle dos sintomas de abstinência e o cuidado integral a pessoa assistida.
Em relação ao controle dos sintomas, observa-se que não existe medicamento conhecido para tratamento específico de uma substância (com exceção da metadona empregada para tratamento de usuários de heroína), o que implica que os remédios serão utilizados para o controle de sintomas ligados à abstinência, como por exemplo ansiedade, insônia, sintomas de alteração fisiológica. Isso desmistifica a ideia de que existem remédios específicos que curam alcoolistas, usuários de crack e outras drogas.
A abstinência também requer um manejo para que o paciente reconheça estes sintomas e encontre estratégias para que aprenda a manejá-los para além do uso da medicação. Além de o mesmo ter contato com estratégias de prevenção de recaída e o envolvimento em outras atividades para além do uso da droga.



 Qual o tipo de intervenção é realizado pelo profissional de Terapia Ocupacional?

Como pontuado anteriormente, terapeutas ocupacionais possuem como objeto de estudo a ocupação humana. Logo, toda a intervenção do terapeuta ocupacional será focada no engajamento do sujeito em ocupações significativas. Terapeutas ocupacionais então desenvolvem, junto ao paciente, uma intervenção que venha a favorecer que o sujeito volte a se engajar ou se engaje em atividades/ocupações que o mesmo considere significativas e/ou nunca tenha se engajado, seja pela sua história de vida e/ou pela forma como a droga interfere na sua relação com as ocupações. Para tanto, estratégias de atendimentos individuais, grupos, oficinas e outras estratégias podem ser empregadas. O desenvolvimento de atividades terapêuticas ocupacionais que favoreçam a relação grupal, expressividade, autoconhecimento, desenvolvimento de habilidades e outros, podem ser recursos pertinentes aos objetivos.
Cada paciente é “tratado” conforme sua especificidade e necessidade. É importante sempre ter em mente que para além de um “usuário de droga” é uma pessoa, ou seja, a droga não é o único problema dele, pois geralmente é consequência de engajamentos ocupacionais empobrecidos na qualidade e/ou na quantidade. A frase: “Todo excesso remete a uma falta”, dá uma noção importante de que a droga ocupará um lugar que outros elementos não preencheram na vida do sujeito.


Além do trabalho com o paciente, é feito um trabalho com a família?

A dependência química é uma doença da família. Ou seja, não raro o sujeito adoecido já vem de uma estrutura familiar adoecida (“disfuncional”) e ele também favorecerá o adoecimento de todos ao seu redor. É fundamental que a família do paciente então seja acolhida, inclusa no tratamento do paciente e, se necessário, também pessoas dessa família sejam tratadas quando necessário (não necessariamente no mesmo serviço que o paciente está acolhido, mas em outros serviços que venham a atender a especificidade destas pessoas).



 O que altera no sistema fisiológico de um dependente químico?

Drogas são substâncias caracterizadas por provocarem alterações no Sistema Nervoso Central. Logo, todas as drogas provocarão alterações no cérebro do sujeito, na cadeia de neurotransmissores específica à natureza da ação da droga no organismo. Drogas classificam-se em estimulantes, depressoras ou perturbadoras do sistema nervoso central. Logo, estimularão de forma anormal a produção de neurotransmissores específicos ao efeito de cada substância, o que a longo prazo podem causar danos neurológicos irreversíveis.
Outras alterações no sistema fisiológico de dependentes químicos têm relação com o mecanismo de “processamento” da droga no organismo e conforme via de uso da mesma, causando prejuízo nas estruturas do corpo. Por exemplo: Lesões em boca e trato respiratório em uso de inalantes e drogas “fumadas” (crack e tabaco). Flebites e alterações nas estruturas de veias e artérias em usuários de drogas injetáveis. Alterações no trato gastrointestinal em usuários de álcool.








Entrevista 2

Terapeuta Ocupacional Ana Paula Scheffer.
 Atua como terapeuta ocupacional no 
Centro Psicossocial ( CAPS)- TATUGUARA- CURITIBA - PR

 Autorizada a postagem pela profissional entrevistada.




INTERVENÇÃO DO TERAPEUTA OCUPACIONAL NO TRATAMENTO DE DEPENDENTES QUÍMICOS
 
ENTREVISTA

 Nome da Terapeuta Ocupacional:
Ana Paula Scheffer

 Local de trabalho:
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Tatuquara
                     
1-Como é diagnosticado um paciente dependente químico?

De maneira geral, o diagnóstico terapêutico ocupacional se baseia na frequência e tempo do uso da substância, os sintomas apresentados durante e após o uso, no tempo máximo que a pessoa já permaneceu em abstinência, na relação que o paciente tem com a substância considerando os padrões de desempenho do indivíduo, nos prejuízos apresentados no desempenho de papéis e atividades dentro das áreas de ocupação e critica que ele tem destes prejuízos.


2-Quais os critérios de avaliação? Existe protocolo específico?

Estruturação de rotina, desempenho de papéis e atividades, prejuízos causados, motivações para o tratamento, habilidades e padrões de desempenho, áreas de interesse, relações e estrutura familiar, crenças, valores, hábitos e objetivos e planejamentos futuros, a relação com o uso da substância, e expectativas de tratamento.
Existe uma avaliação semiestruturada não padronizada baseada nos critérios citados, além disso podem ser utilizados algumas avaliações padronizadas de maneira complementar caso o profissional necessite, como por exemplo, miniexame de estado mental, MIF, lista de interesse, e questionários de qualidade de vida.


3- Nos atendimentos realizados quais os casos de dependência química são mais frequentes?

Alcoolismo e uso abusivo de Crack.






4- Quais os procedimentos realizados para o processo de abstinência?

No contexto geral do CAPS são realizados grupos e oficinas terapêuticas com equipe multiprofissional, com foco e prevenção de recaída, reestruturação de papéis e rotinas, projetos de vida, avaliações e intervenções individuais breves quando avaliado a necessidade e acompanhamento médico para intervenção medicamentosa.


5- Qual o tipo de intervenção é realizado pelo profissional de Terapia Ocupacional?

Avaliações iniciais, grupos e oficinas terapêuticas, atendimentos de referência para estruturação do projeto terapêutico, intervenções individuais breves, atendimentos familiares, visitas domiciliares e articulações de rede.
Os atendimentos do núcleo de terapia ocupacional têm como foco principal a estruturação da rotina, fortalecimento da autonomia e independência com a promoção do protagonismo pessoal perante a própria vida e avaliação de estratégias que possam substituir o hábito do uso no dia-a-dia.


6-Além do trabalho com o paciente, é feito um trabalho com a família?

Sim, sempre se busca realizar intervenção familiar quando há esta possibilidade, normalmente em duas situações: Primeiro quando há o vínculo e o suporte familiar e se inclui a família nas estratégias de intervenção ou quando não há este vínculo ou o mesmo está fragilizado, então busca-se fortalecer esta relação buscando restabelecer este vínculo.


7- O que altera no sistema fisiológico de um dependente químico?


Alterações neurológicas do SNC e SNP, tremores, alterações das funções hepáticas e renais, diabetes, problemas cardíacos, alterações hormonais, insônia, entre outros. Em vários casos também é possível observar o desencadeamento de transtornos mentais latentes.








Elaboração: Maria Jenoveva, Amanda e Joabe



O objetivo de fazer as entrevistas é mostrar e intensificar o conhecimento a luz de profissionais Terapeutas Ocupacionais sobre o assunto. A importância da Terapia Ocupacional no processo  de tratamento e recuperação do dependentes químicos resgatando a dignidade , auto estima e  e a capacidade dos mesmos realizar suas ocupações de vida diária com autonomia.



Agradecimentos a professora Lauren e a Terapeuta Ocupacional pela disponibilidade em responder a entrevista.


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